A HISTÓRIA DE UM ADEUS
Os deuses da bola são caprichosos. Sabem disto mesmo os mais estúpidos dos estúpidos que freqüentam um estádio. E numa Copa na qual os momentos de grandeza haviam sido poucos eis que os deuses se levantam para zombar da vaidade e do orgulho argentino. E o fazem soprando a sorte para fazer a Argentina ser eliminada numa partida que, a rigor, teria que ter ganhado por ter mais qualidade, ter jogado mais, ser uma equipe superior. No entanto a grandeza, a glória e o encanto do futebol estão em que o fraco pode superar o forte; o fraco pode, por um erro, um lapso, uma oportunidade perdida ou transformada em gol se embriagar no líquido saboroso da vitória. E a Alemanha inteira, uma Alemanha que até os 80 minutos da partida parecia que se preparava para dar adeus a Copa, se levantou num gol de Klose, um artilheiro que nada fez senão o gol, embriagada, deleitada porque a águia bicou, de forma definitiva, o balão azul da vaidade argentina e o esvaziou na roleta russa dos pênaltis. O capricho reside em que esta era uma partida que sempre foi da Argentina. Talhada a seu modo, feita para a Argentina ganhar. Os argentinos, por natureza, florescem quando a partida é truncada, difícil, nervosa e esta partida o foi desde seu início. Logo no começo o juiz já mostrava o cartão amarelo e ali, na forma e no jeito, se conformava um jogo no estilo argentino. E a Argentina dominou todo o primeiro tempo, porém, talvez aí o grande capricho de algum deus do futebol magoado com eles, não conseguiu criar uma chance sequer, nenhuma no primeiro tempo. Somente o rival por meio de Ballack andou perto de assustar numa cabeçada única, porém numa conclusão, pela rapidez, difícil. No segundo tempo, logo aos 3 minutos, Riquelme cobrou escanteio da direita, Ayala apareceu no meio e cabeceou com precisão para abrir o marcador. Subitamente parecia que a criatividade da Argentina encontrava seu caminho; tudo indicava que a Alemanha, sem alternativa, iria para a frente abrindo espaços para o contra-ataque fatal que é uma arma característica de todas as grandes equipes que o futebol argentino criou. De fato a Alemanha partiu para cima, porém o fez de forma bisonha, atabalhoada e, como o adversário, no primeiro tempo, ficava com a bola sem criar nenhuma situação de perigo. Limitava-se as jogadas aéreas. E a Alemanha no ataque permitiu bons contra-ataques e quase houve o segundo gol. Lahm errou um passe na entrada da área e Tevez pegou a bola passou para Maxi Rodríguez, que invadiu a área sozinho pela direita e chutou do lado de fora da rede. O final da partida se aproximava e nada parecia acontecer. Longe de mim sugerir que o técnico argentino errou, porém tirar Riquelme colocando Cambiasso me pareceu querer apenas o 1x0. Uma demonstração de orgulho antecipado, como se dissesse que a fatura estava liquidada. E quase estava. Quase. Até mesmo a torcida alemã sentia as esperanças batendo asas quando, mais uma vez, uma jogada aérea foi feita. Ballack cruzou da esquerda e Borowski desviou de cabeça para Klose aparecer no local exato, no momento exato, com o toque exato dos nascidos para matar. E o estádio que já se esvaía no liquido incolor da desesperança se encheu de amarelo, preto e vermelho no uníssono grito de gol. Ali, naquele fatal instante, os deuses mudaram de lado. E a Argentina que estava com a partida ganha começava lentamente a perder. O resto do jogo, apesar de ter ficado aberto nos minutos finais, a prorrogação, tudo o mais, foi mero jogo de cena. Estava escrito que a decisão iria para os pênaltis e nos pênaltis a Argentina perderia. E assim foi. A Alemanha perfeita nas cobranças. Neuville, Ballack, Podolski e Borowski marcaram. Pela Argentina, Julio Cruz e Maxi Rodríguez marcaram, mas Lehmann pegou, primeiro o chute de Ayala e, depois, quando Cambiasso caminhou para a bola, sem convicção, já parecia um cantor de tango triste por saber que seria vaiado. A vitória é doce. A Alemanha é uma festa só. Um carnaval. Seus jogadores, os heróis que ganharam um jogo que não poderiam, não tinham como ganhar. Só ganhariam da forma que ganharam. O belo no futebol é isto: entre todas as alternativas se concretiza a menos viável. E a Argentina que teve 120 minutos para liquidar um adversário inferior, e não o fez, volta para casa, apesar de ter mais tudo: classe, malícia, milonga e raça. Não importa. No campo Lehmann, Klause, Neuville, Ballack, Podolski e Borowski provaram, mais uma vez, que jogo se ganha na hora e no campo. Depois do apito final nem choro nem pancadas resolvem mais nada. E assim os argentinos voltam, tristes, para casa. E se apagam as luzes para as lágrimas que sufocam o tango que não voltará a tocar nos campos da Alemanha, pelo menos, na Copa de 2006.
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